sábado, maio 14, 2005

Acordo com o barulho da Sofia no quarto ao lado. Passa a vida a cantar. Como odeio a sua inocência.
Tudo não passa de jogos e pequenas brincadeiras. Eu é que acabo de ter de me preocupar com tudo, e se lhe falo nem me ouve.
Levanto-me e enquanto me lavo olho o tempo pela janela. Visto as minhas roupas. Tenho que dizer à maezinha que me compre umas novas, já não tenho idade para andar com estas roupas de criança. Desço as escadas e sento-me no sofá à espera do resto da familia para tomar o pequeno almoço. Já só me falta um ano para ser adulto, e então poderei ajudar o meu pai nos negócios. Serei o seu assistente pessoal, para tudo que precise.
Como por invocação surge o meu pai sempre bem-disposto, com um artigo na mão. Senta-se à mesa sem reparar em mim.
-Bons dias meu pai! Como se sente hoje?
-Positivamente bem!-a sua alegria é contagiante.
Sento-me à mesa e Sofia não tarda em aparecer. Corre a meu pai para o beijar e lança-me uma careta. No seu jeito infantil começa a brincar com os talheres enquanto esperamos por minha mãe.
Hoje tenho que a aturar mais do que é habitual. Ao contrário do habitual não suporto o fim-de-semana muito por culpa dela. Mas apendi já a lidar com a sua imaturidade, e felizmente sou-lhe superior.
A minha mãe chega com o ar pálido de sempre e faz soar a campainha frágil. Josefa prontamente
começa a servir o meu pai bem como os restantes. Comemos no silêncio habitual com o meu pai sempre absorto nos seus problemas. Por muito mau que sejam sonho em ter esses problemas. A minha vida inútil não passa de aprender velhos cadernos puídos cheios de um mundo que nunca verei. Também não o anseio. Quero mundo real a fervilhar de problemas, sem clarins a anunciar cada boa estocada. Quero um mundo cravejado de inquietações onde possa usar as minhas capacidades para tudo resolver.
-Paizinho, podemos ir passear no jardim público?
Olho imediatamente para meu pai na esperança que ele cumpra os meus desejos, mas ele responde com um vago sim para grande alarido da minha irmã.
Saio de casa farto de esperar minha irmã. Vejo aproximar-se o sujeito que mais desdenho na nossa vila. Vem na direcção da nossa casa. Sinto o desprezo a crescer no meu estômago à medida que ele se aproxima. Encontra-se à porta com minha irmã e ela sorrie-lhe inocente. A minha vontade agora era segui-lo e saber o que o traz de novo a nossa casa. Enquanto Sofia corre em saltos animados penso numa maneira de descobrir o mistério do estalajadeiro. Não demorará muito a ser desvendado, disso tenho a certeza.